24 de junho de 2010

Teologia do testemunho ou teologia da crítica?

Ao pensar num tema que reunisse os anseios do blogue (desejo de um discurso sobre uma teologia prática, com influência e interesse na vida das pessoas) com o meu gosto teológico pessoal (doutrina social da Igreja, alguns temas de teologia fundamental e dogmática), com que pudesse contribuir com um primeiro post, o primeiro tema que me ocorreu foi o do testemunho (no seu sentido radical de martyrion).
De facto, é um tema que sempre me despertou a atenção, e que tem pertinência no âmbito de uma teologia prática. Está na boca de todo o tipo de gente: desde monumentos teológicos como Hans Urs von Balthasar, a escritores que não se inscrevem no espaço cristão estrito, como valter hugo mãe, às pessoas "anónimas", que com frases do tipo «eu não vou à igreja porque os que lá vão são piores do que eu» acabam por referir-se a este tema.
No entanto, como o título desta entrada sugere, uma teologia - sem dúvida necessária - do testemunho, rapidamente pode afastar as pessoas, já que essa teologia facilmente se pode tornar, como sugiro, uma "teologia da crítica", no sentido em que podemos ver a teologia do testemunho como um pensar: "Este mundo está perdido e já ninguém dá testemunho". Este tipo de pensamento levar-nos-á, depois, a que fiquemos pela crítica ao não testemunho dos outros e não nos preocupemos com o nosso dar testemunho...
Objectivamente, como diz valter hugo mãe n'a máquina de fazer espanhóis (Carnaxide, Objectiva 2010) «somos um país de cidadãos não praticantes. ainda somos um país de gente que se abstém. como os que dizem que são católicos mas não fazem nada do que um católico tem para fazer, não comungam, não rezam e não param de pecar». Tão factual como isto é que muitos pedem casamento católico sem saber data e local de baptismo, ou pedem baptismo para os filhos quando os próprios já não entram na igreja quase desde o dia... do seu próprio baptismo. Depois temos ainda os casos de gente que, dentro da própria Igreja, dá contra-testemunho, desde os padres pedófilos aos sacristães que vendem as hóstias à bruxa...
Mas a minha questão é: deve ser este o nosso ponto de partida? Sinceramente, parece-me que não. Devemos fundamentar uma teologia do testemunho, sim, mas no sentido em que o faz Balthasar: «[A Igreja] terá necessidade não só de teólogos (também deles), mas sobretudo de santos. Não só de decretos e ainda menos de novas comissões de estudo, mas de figuras pelas quais, como faróis, nos possamos orientar. Era justamente esse o sentido último do alarme de Córdula. Não é verdade que nada podemos fazer para ter santos. Devemos, por exemplo, tentar uma vez, embora com algum atraso, tornar-nos como Córdula. «Mais vale tarde do que nunca»» (H. U. BALTHASAR, Córdula ou o momento decisivo, Lisboa, Assírio & Alvim 2009), ou seja, ganharmos consciência de que, como diz o mesmo Hans Urs von Balthasar, «quem opta pelo seguimento escolhe Jesus (que vale mais do que «pai, mãe, filho e filha»); mas quem prefere Jesus escolhe a cruz como o lugar onde o morrer não é uma eventualidade, antes uma certeza plena».
Assim, mais do que uma preocupação com o não testemunho dos outros (até porque, como podemos ver, por exemplo, na Carta sobre a tolerância [Lisboa, Lisboa Editora 2001] de Locke, a consciência alheia é algo, em si, impenetrável), a nossa primeira preocupação deve ser o nosso próprio testemunho, encarado de forma positiva, pois como diz Tertuliano, «o sangue dos mártires é semente de cristãos».

«Ao ouvirem tais palavras, encheram-se intimamente de raiva e rangeram os dentes contra Estêvão. Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus. «Olhai, disse ele, eu vejo o Céu aberto e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus.» Eles, então, soltaram um grande grito e taparam os ouvidos; depois, à uma, atiraram-se a ele e, arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo. E, enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.» Depois, posto de joelhos, bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este pecado.» Dito isto, adormeceu.» (Act 7, 54-60)

2 comentários:

Cátia Sofia Tuna disse...

Querido Andre,
louvo-te por teres abordado o tao importante como desconhecido conceito de "testemunho". Sinto que o significado que lhe e dado pastoralmente e completamente diferente do seu significado biblico e teológico. O teu texto podera ser, creio, o encetar de uma reflexao sobre o porque deste distanciamento. Abraco

André Capinha disse...

Não querendo fazer um auto-elogio (coisa que fica mal a qualquer um...), ainda hoje na missa me apercebi como este tema é importante... O padre, já velhote, passa a homilia toda a desancar no povo de Deus, desde os jovens, porque já não aprendemos o catecismo como no seu tempo, aos casais jovens, porque fazem as coisas antes do tempo, aos mais velhos, porque vão à missa por tradição, etc. (mais grave é isto não ser exclusivo do dito padre mas ser prática corrente dos padres, nem sempre neste sentido)... Reparei que isto é uma coisa própria da nossa Igreja Católica: levamos tanta crítica por parte das outras religiões porque ela começa cá dentro... Como diz o meu texto, em vez de nos preocuparmos com o que devíamos fazer (seguir Jesus, ser santo, é assim), preocupamo-nos em ser polícias e críticos uns dos outros... Andamos aí com pezinhos de lã para nos referirmos aos que foram baptizados e não querem saber da Igreja senão para jogar ao toca e foge e para ela lhes organizar umas festas (nem lhes chamamos pelo que eles são - baptizados desinteressados - preferindo chamar-lhes "católicos não praticantes") e depois tratamo-nos assim uns aos outros, como se fôssemos, nas palavras de Hobbes, lobos de nós mesmos...