28 de junho de 2010

Afinal Jesus teve onde reclinar a cabeça...

Robert Hupka, fotógrafo austríaco, fotografou a Pieta, escultura que constituiu a primeira grande obra de Miguel Ângelo, concluída pelos seus 23 anos. Fê-lo de múltiplos ângulos, usou diferentes lentes, jogou com a luz e usou andaimes. Resultaram centenas de fotografias; esta retrata o rosto de Jesus, fotografado de cima.

24 de junho de 2010

Teologia do testemunho ou teologia da crítica?

Ao pensar num tema que reunisse os anseios do blogue (desejo de um discurso sobre uma teologia prática, com influência e interesse na vida das pessoas) com o meu gosto teológico pessoal (doutrina social da Igreja, alguns temas de teologia fundamental e dogmática), com que pudesse contribuir com um primeiro post, o primeiro tema que me ocorreu foi o do testemunho (no seu sentido radical de martyrion).
De facto, é um tema que sempre me despertou a atenção, e que tem pertinência no âmbito de uma teologia prática. Está na boca de todo o tipo de gente: desde monumentos teológicos como Hans Urs von Balthasar, a escritores que não se inscrevem no espaço cristão estrito, como valter hugo mãe, às pessoas "anónimas", que com frases do tipo «eu não vou à igreja porque os que lá vão são piores do que eu» acabam por referir-se a este tema.
No entanto, como o título desta entrada sugere, uma teologia - sem dúvida necessária - do testemunho, rapidamente pode afastar as pessoas, já que essa teologia facilmente se pode tornar, como sugiro, uma "teologia da crítica", no sentido em que podemos ver a teologia do testemunho como um pensar: "Este mundo está perdido e já ninguém dá testemunho". Este tipo de pensamento levar-nos-á, depois, a que fiquemos pela crítica ao não testemunho dos outros e não nos preocupemos com o nosso dar testemunho...
Objectivamente, como diz valter hugo mãe n'a máquina de fazer espanhóis (Carnaxide, Objectiva 2010) «somos um país de cidadãos não praticantes. ainda somos um país de gente que se abstém. como os que dizem que são católicos mas não fazem nada do que um católico tem para fazer, não comungam, não rezam e não param de pecar». Tão factual como isto é que muitos pedem casamento católico sem saber data e local de baptismo, ou pedem baptismo para os filhos quando os próprios já não entram na igreja quase desde o dia... do seu próprio baptismo. Depois temos ainda os casos de gente que, dentro da própria Igreja, dá contra-testemunho, desde os padres pedófilos aos sacristães que vendem as hóstias à bruxa...
Mas a minha questão é: deve ser este o nosso ponto de partida? Sinceramente, parece-me que não. Devemos fundamentar uma teologia do testemunho, sim, mas no sentido em que o faz Balthasar: «[A Igreja] terá necessidade não só de teólogos (também deles), mas sobretudo de santos. Não só de decretos e ainda menos de novas comissões de estudo, mas de figuras pelas quais, como faróis, nos possamos orientar. Era justamente esse o sentido último do alarme de Córdula. Não é verdade que nada podemos fazer para ter santos. Devemos, por exemplo, tentar uma vez, embora com algum atraso, tornar-nos como Córdula. «Mais vale tarde do que nunca»» (H. U. BALTHASAR, Córdula ou o momento decisivo, Lisboa, Assírio & Alvim 2009), ou seja, ganharmos consciência de que, como diz o mesmo Hans Urs von Balthasar, «quem opta pelo seguimento escolhe Jesus (que vale mais do que «pai, mãe, filho e filha»); mas quem prefere Jesus escolhe a cruz como o lugar onde o morrer não é uma eventualidade, antes uma certeza plena».
Assim, mais do que uma preocupação com o não testemunho dos outros (até porque, como podemos ver, por exemplo, na Carta sobre a tolerância [Lisboa, Lisboa Editora 2001] de Locke, a consciência alheia é algo, em si, impenetrável), a nossa primeira preocupação deve ser o nosso próprio testemunho, encarado de forma positiva, pois como diz Tertuliano, «o sangue dos mártires é semente de cristãos».

«Ao ouvirem tais palavras, encheram-se intimamente de raiva e rangeram os dentes contra Estêvão. Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus. «Olhai, disse ele, eu vejo o Céu aberto e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus.» Eles, então, soltaram um grande grito e taparam os ouvidos; depois, à uma, atiraram-se a ele e, arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo. E, enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.» Depois, posto de joelhos, bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este pecado.» Dito isto, adormeceu.» (Act 7, 54-60)

22 de junho de 2010

Vuvuzelas: a possibilidade de uma chave hermenêutica

Quando se conta uma história termina-se, geralmente, com a tão tendenciosa questão “Qual é a moral?” Jesus, depois de contar as Suas parábolas, nunca colocou esta questão aos seus ouvintes. Pô-la ao texto bíblico é assumi-lo como embalagem descartável de moralizações ou de espiritualizações, existindo o risco de o manipularmos na busca dessa moral. É necessário trocar, portanto, a pergunta “qual é a moral da história?” pela pergunta “qual é o Deus da história (ou do texto)?” (não é, afinal, Ele que queremos encontrar?) Qual é o Deus da parábola do Filho pródigo? Qual é o Deus do hino da carta aos Efésios? Qual é o Deus dos três primeiros capítulos de Oseias?

Tenho medo de partir para a viagem hercúlea que é a leitura de um texto bíblico alienada da questão – a única, “Quem digo eu que Tu és?” Tenho medo de partir amputada dos meus próprios sentidos... que luta desigual! Digo “o seu aspecto era como o de um relâmpago; e a sua túnica branca como a neve” e não vejo; digo “partindo o frasco, derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus” mas em nada toco…; digo “Escuta a minha voz, Ananias! O Senhor não te enviou…”, mas nada oiço; e digo “bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam” e nada dói. Aguardo antes pela “moral”, que talvez nunca chegará.

Ontem vi o jogo (7-0… sete que é o número da perfeição) durante uma reunião de trabalho, mas inicialmente, o computador não funcionava; e era de facto frustrante querer ver e não poder ver. E com a Bíblia a frustração é semelhante… Tenho olhos e não vejo, como se de repente tivesse cortado os “cabos” que a poderiam ligar à alma; tenho ouvidos e não oiço, como se não encontrasse onde lhe ligar “fones” que permitam “extrair-lhe” os sons de que é feita. Porque ela é cheia de imagens, de sabores, de toques, sensações ou emoções (no sentido inteligente da palavra), de movimentos, de cheiros e de sons... Do silêncio ao grito, da brisa suave ao estalar do fogo, da voz inconfundível do belo pastor ao enredo multicolor de vozes e línguas do Pentecostes. Se estivéssemos por dentro dos seus sons, perceberíamos que há momentos em que o texto bíblico é uma gritaria ou uma elevação de gemidos carregados e outros em que é um silêncio raso de adoração. Ouvem-se mulheres a chorar, brados de alegria, ranger de dentes e alguém que ri, harpas e rugidos de animais, ordens e preces. Mas emudeço as palavras da Palavra;, e, assim, mais que o risco de a tornar inofensiva a nível ético, há o risco de a tornar inofensiva a nível estético. Nada vejo, nada oiço, em nada toco… leio que o cego é curado, mas apenas ele o é. Algo terá de mudar na medula dos meus olhos, no coração dos ouvidos para a palavra dar a sua vida – aquela que é em abundância, em troca da minha; e em troca dos meus sentidos me possa dar os seus.

Esta questão da Bíblia como “locus sonorus” por mim emudecido, ou “locus sensibilis” por mim anestesiado, é apenas um pretexto para vos falar das vuvuzelas (quanto ao resto do título, “chave hermenêutica” é um termo que fica sempre bem em qualquer texto filosófico ou teológico, dando-lhe uma feição erudita.) Em alguns fins de tarde, pela janela, entra em minha casa o som longínquo das vuvuzelas. Eu aprecio-o muito; é grave, parece antigo, faz-me lembrar o som das baleias. É profundo, como se viesse do fundo do mar ou do fundo princípio da História. É a banda sonora perfeita para a paisagem urbana, generosa e laranja-cor-do-crepúsculo que vejo da janela. Mas é também uma banda sonora possível para o livro do Apocalipse, que é um livro muito sonoro e musical. É mesmo sinfónico – vários sons se cruzam, várias e diferentes vozes se entrelaçam orquestralmente e com sonoridades bélicas. Pode-se definir a vuvuzela como uma vertente pós-moderna da trombeta; ora a palavra “trombeta” aparece 11 vezes neste livro. Ouvi-las pelas ruas é uma forma de curar a tal surdez que me coloca doente ou incapaz ante este livro, em particular, mergulha-me dentro das suas sonoridades. É interessante como um objecto tão banal pode ser a chave sonora (ou talvez hermenêutica) para um texto bíblico. Ouvi-la da minha janela faz-me lembrar que Deus vem, que Deus vence. Decifra-me algumas facetas da Sua voz, da identidade da Sua vinda, da realidade da sua força. Faz-me colocar a questão “que Deus é esse do livro do Apocalipse?” e esboçar respostas ou ainda perguntas. É um vestígio anónimo da Sua glória que me tem visitado em alguns fins de tarde, pela janela…

PS – este é um texto “caseiro”, sem “qualidade” teológica ou científica; para a próxima espero melhorar. Não serve, por isso, de exemplo para os textos a serem postados neste blog; apenas o queria estrear.

21 de junho de 2010

O início de uma Theo-Odisseia

Assim começa uma Odisseia Teológica...