Numa sociedade que rejeita as formas instituídas de religião, porque afirma que estas, ainda que tragam bem, vêm sempre acompanhadas de alguma forma de mal, nunca faltam formas de substituição ritual. Afinal, o Homem é um animal ritual, e se não tem os rituais religiosos encarrega-se de arranjar outros. Desde a maçonaria, aos rituais inventados nos copos de água nos casamentos (por causa dos casamentos civis e das uniões de facto celebradas em festa, que perdem riqueza ritual face às celebrações das religiões instituídas), não faltam exemplos disso.
Um
exemplo que, de há uns tempos para cá, ganha forte vigor é o da
religião do bem-estar. O que interessa é o bem-estar, associado a uma
felicidade que é qualquer coisa como uma vida perfeita, sem dores e
sofrimentos (daí que a religião do bem-estar defenda o aborto e a
eutanásia, porque se vem para cá para sofrer mais vale não vir, e se já
está a sofrer mais vale ir embora depressa).
A
religião do bem-estar é ainda incipiente, por isso vive agora o seu
período de cruzadas: daí a luta contra os tabagistas, que poluem o
meio-ambiente e se destroem a si mesmos em nome do prazer; contra os que
bebem bebidas alcoólicas, mesmo que com moderação, porque o álcool
desidrata; contra os que comem calorias a mais, porque prejudicam o
colesterol e os açúcares (estes dois senhores são o diabo desta
religião).
A religião do
bem-estar folga em criticar outras religiões instituídas, em particular o
Cristianismo, porque pede às pessoas uma hora por semana, pede-lhes
oração e jejum, pede-lhes esmola. Os senhores do bem-estar gostam de
criticar os cristãos porque as suas Igrejas têm propriedades, têm
templos visíveis e bem identificados no espaço público. Lamento informar
os senhores da religião do bem-estar, mas vocês também têm isso tudo.
Para começar, têm um templo, que usa o nome de ginásio (na sua
totalidade, estão bem identificados e bem visíveis no espaço público).
Como tal, já há propriedade. Pedem às pessoas bem mais do que uma hora
por semana, e apenas por causa dum bem-estar que até pode nem vir, não
para cultivar uma relação de amor com um Deus pessoal e com os irmãos
reunidos em comunidade. Não pedem oração, mas compensam isso com pedidos
incessantes de fortes jejuns para perder aqueles quilinhos a mais
(ainda por cima, jejuns vazios de sentido espiritual; em vez de um jejum
que me faz livre do que afinal descubro supérfluo, faço um jejum que me
faz escravo da imagem perfeita de mim). Pedem esmolas, que muitas vezes
andam próximas dos quarenta euros por mês.
As
pessoas da religião do bem-estar não existem. Porque vivem num mundo
que não existe. Onde não há dor nem sofrimento. Onde somos todos
atléticos, sem vícios, bonitos e jovens. Sem problemas de alcoolismo e
sem infecções respiratórias. Com saúde. Sem prazeres que não sejam os
sexuais (sim, que aí a moral dos fiéis pode ser lata; talvez como forma
de compensação, mas isso sou eu, um moralista cristão, que sugiro). As
pessoas da religião do bem-estar vão morrer mais tristes que os
cristãos, com mais angústia, por muito que nos acusem da noção de culpa e
de parecermos tristes no nosso dia-a-dia. Os cristãos sabem que vão
morrer e os fiéis do bem-estar não.
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